segunda-feira, 19 de maio de 2008
Belmonte
BELMONTE, O CRIADOR DO JUCA PATO
Folha Imagem
"O artista tem que viver entre o povo, embora não deva fazer concessões à popularidade. Ser popular não é o mesmo que ser vulgar. O "xis" da questão está em tomar um assunto complicado e difícil, digerí-lo, simplificá-lo e torná-lo acessível ao grande público. Resumir numa charge, por exemplo, um problema econômico ou financeiro, eis o ideal(...) fazer arte para ser entendido por algumas pessoas é criar uma aristocracia artística."
Belmonte
Vítima de tanto levar na cabeça, Juca Pato tinha que conformar-se, pois sempre "podia ser pior"
Se nas décadas de 30 e 40 perguntássemos a qualquer paulistano qual era a figura mais popular na cidade, ele com boa dose de certeza diria que era o Juca Pato. A popularidade podia ser comprovada nas ruas: havia nome de bar e restaurante, marca de cigarro, graxa de sapato, vinho, água sanitária, pacote de café, aperitivo de bar e até letra de samba com o nome Juca Pato...
Contudo, Juca Pato nunca teve uma existência de carne e osso. Foi um personagem criado pelo jornalista e caricaturista Belmonte -nascido a 15 de maio de 1896 com o nome de Benedito Bastos Barreto, na Liberdade, bairro de São Paulo.
Pobre, nunca aprendeu desenho. Rabiscava por intuição. Belmonte conseguiu publicar seu primeiro desenho aos 17 anos, em 1914, na revista "Rio Branco". No mesmo ano começou a desenhar para a revista "Alvorada", mas como era desconhecido e tímido, somente em 1919 recebeu dinheiro por um desenho -cinco mil réis, para a revista "Miscellanea".
Nesse período passou a colaborar em várias revistas, como "Zig-Zag" e "D.Quixote". Sem ter decidido pela carreira de caricaturista, conciliou por algum tempo a atividade com a de estudante de medicina. No dia do exame final, quando deveria ingressar definitivamente na carreira, saiu para remar no lago do atual Parque da Aclimação e optou pelo jornalismo.
Em 1921, surgia na capital paulista a "Folha da Noite", hoje o jornal "Folha de S.Paulo". O cartunista foi contratado para ilustrar as páginas do periódico. E foi nas páginas da "Folha da Noite" que, em 1925, Belmonte criou o Juca Pato. Concebido careca, "de tanto levar na cabeça", adotou o lema "podia ser pior", encarregando-se, assim, de traduzir as críticas e aspirações da classe média paulistana. Concentrava seus ataques sobre a corrupção e a arrogância dos ricos, apresentando-se como defensor dos fracos.
Não era um chargista que apelasse para o primarismo, a grosseria crua, o deboche. Ao contrário, tudo nele revelava nítida preocupação intelectual, claro pendor ao refinamento das leituras, do estudo, da erudição.
Além de criar personagens, Belmonte também ilustrou livros de Monteiro Lobato e uma edição brasileira de "Primo Basílio", de Eça de Queirós. Atuando como pesquisador, fez as ilustrações do livro "Povos e Trajes da América Latina", de Egon Schaden. Também foi autor vários volumes, entre eles "No tempo dos Bandeirantes". Mantinha no jornal uma crônica, na qual criticava os costumes, a política nacional (Vargas e o Estado Novo) e internacional (o nazismo e o fascismo). Revistas como a "Rire" (França), "ABC" (Portugal), "Caras y Caretas" (Argentina), "Judge" (EUA) e "Kladeradtsch" (Alemanha) publicaram desenhos seus.
Suas charges ferinas sobre a Segunda Guerra correram o mundo. Tanto é que, às vésperas da rendição alemã, em 1945, o ministro da Propaganda, Goebbels, em uma transmissão radiofônica, fez críticas a Belmonte por um álbum seu de caricaturas em que ridicularizava os nazistas. "Certamente", disse Goebbels, "o artista foi pago pelos aliados ingleses e norte-americanos".
Ignorava que Belmonte nunca acumulou riqueza pessoal e que jamais se rendeu a ameaças ou bajulações, nem mesmo às ofertas dos políticos brasileiros que o temiam e, por isso, queriam seu apoio.
Apesar de toda a fama e reconhecimento público, o chargista deixou para sua esposa e casal de filhos, ao morrer, apenas a sua obra como herança. Morreu tuberculoso no dia 19 de abril de 1947, num dos quartos do Hospital São Lucas, em São Paulo.
Em 1962, A União Brasileira dos Escritores criou o prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano. Seu idealizador, o escritor Marcos Rey, foi quem propôs utilizar o nome do personagem de Belmonte: "O Juca Pato, a grande vítima dos tubarões, pisado pelos homens da lei e pelos poderosos, e que nunca teve um amigo, o terá agora na pessoa do intelectual". O prêmio já foi concedido a San Thiago Dantas, Alceu de Amoroso Lima, Cassiano Ricardo, Érico Veríssimo, Jorge Amado e Cora Coralina, entre outros.
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